Desde o início da pandemia de covid-19, o mundo busca por um medicamento que as pessoas possam tomar em casa e evitar o risco de complicações da doença. Tentou-se em um primeiro momento reposicionar drogas existentes para outros fins, mas nenhuma teve eficácia.
Agora, esta procura pode estar perto do fim, com o avanço da fase final dos estudos clínicos do antiviral molnupiravir.
A droga foi inventada por uma empresa de biotecnologia dos EUA sem fins lucrativos — a Drug Innovations at Emory — que recebe financiamento parcial do governo norte-americano.
Posteriormente, a fórmula foi licenciada pela empresa Ridgeback Biotherapeutics, sediada na Flórida, que firmou acordo com a farmacêutica MSD (Merck Sharp & Dohme) para viabilizar os estudos clínicos e produção.
Os testes avançaram para a fase 3 em abril deste ano, após resultados promissores em voluntários que fizeram uso do medicamento nos primeiros dias desde o início dos sintomas.
Com cerca de 1.800 voluntários ainda sendo recrutados ao redor do mundo, inclusive no Brasil (veja abaixo os centros de pesquisa), a MSD espera ter resultados interinos desta fase até outubro.
A expectativa da farmacêutica é de que os dados finais para obtenção de registro sejam apresentados às agências reguladoras ainda neste ano.
“O que temos hoje é o estudo de fase 3 exatamente na população de pacientes no momento inicial da doença — até cinco dias de sintomas, não hospitalizados. Eles tomam 800 mg, duas vezes ao dia por cinco dias. É este braço de tratamento contra o placebo [substância sem efeito terapêutico] para conseguir comprovar a eficácia do que a gente já viu nos estudos de fase 1 e 2. […] O que a gente quer comprovar agora é que existe uma diminuição da hospitalização e de morte”, explica a diretora médica da MSD Brasil, Marcia Abadi.
Tratamentos como anticorpos monoclonais e o antiviral remdesivir têm restrições de uso — são restritos a hospitais e a determinado perfil de paciente — e de preço, pois custam alguns milhares de reais.
Neste contexto, um possível sucesso do molnupiravir pode ser o que o oseltamivir (Tamiflu) foi durante a pandemia de H1N1, em 2009. Até hoje, o medicamento é prescrito quando há suspeita de infecção pelo vírus influenza, especialmente em indivíduos mais vulneráveis, como crianças e idosos.
Para o professor Alexandre Naime Barbosa, chefe da infectologia da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) em Botucatu, se o molnupiravir se mostrar eficaz nos primeiros sintomas da covid-19, ele poderá ser usado para aumentar a proteção em indivíduos vulneráveis.
“Quanto é a minha chance individual de proteção com as vacinas? Entre 80% e 90% de redução das internação e óbito. Se eu tivesse uma medicação efetiva nos dias iniciais, poderia subir para uma proteção entre 95% e 97%, o que, aliás, você já vê o exemplo. Acontece com a gripe. Vacino as pessoas idosas, por exemplo, mas se tem um quadro de paciente com síndrome gripal e é de grupo de risco, eu uso o oseltamivir nas primeiras 48 horas. Neste caso, o timing é tudo.”
Como funciona
O molnupiravir tem como foco o material genético de vírus de RNA, como é o SARS-CoV-2, causador da covid-19.
Ao atacar o genoma do coronavírus, o medicamento impede que ele se reproduza dentro do organismo da pessoa infectada, o que evita, consequentemente, um agravamento da doença.
Os pesquisadores observaram também uma capacidade do molnupiravir de reduzir a carga viral na nasofaringe e nos olhos de pessoas expostas ao coronavírus.
A diretora médica da MSD afirma que a dose de 800 mg se mostrou segura e eficaz nos testes.
“O que vimos nos estudos iniciais é que a parte de eventos adversos se equivale a placebo, ou seja, tem um perfil de segurança absolutamente tolerável, que é muito importante.”
Produção
A apresentação em cápsulas, como qualquer outro medicamento que compramos nas farmácias, também conta positivamente a favor do molnupiravir em relação às infusões intravenosas disponíveis hoje, pois facilita a distribuição e o uso.
Quando a MSD obteve os dados interinos da fase 2/3, no fim de abril, optou por iniciar a produção do equivalente a 10 milhões de tratamentos.
Em 9 de junho, o governo dos Estados Unidos fechou um acordo de intenção de compra com a MSD de cerca de 1,7 milhão de tratamentos, uma vez que o molnupiravir receba a autorização de uso de emergência ou registro definitivo da FDA (Agência de Medicamentos e Alimentos do país).
Marcia destaca que a produção foi “sob risco”, mas com a intenção de ter os remédios disponíveis imediatamente caso os pedidos a órgãos reguladores sejam aprovados.
Segundo a executiva, ter voluntários no Brasil é um facilitador para obter autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
“Se tudo der certo, se o estudo comprovar seus resultados, a gente pretende conversar o mais rápido possível com as agências regulatórias. Aqui no Brasil [será] quase que concomitante com as agências regulatórias internacionais. […] Aqui no Brasil, a nossa expectativa é ter de uma maneira ampla o oferecimento de acesso a essa medicação.”
A farmacêutica deve colocar boa parte do seu parque industrial e capilaridade global na produção e distribuição do medicamento, acrescenta.
Profilaxia pós-exposição
Os ensaios clínicos ainda sugeriram outro potencial uso para o molnupiravir: profilaxia pós-exposição.
Baseada nestes achados, a MSD anunciou no último dia 1º um segundo estudo de fase 3 para comprovar se há vantagem em pessoas que foram expostas ao vírus tomarem o medicamento antes mesmo de desenvolver qualquer sintoma.
O professor da Unesp exemplifica um caso em que a profilaxia pós-exposição seria útil.
“Eu atendi uma senhora de 90 anos que mora com a filha e com o neto. O neto não está seguindo direito as questões de prevenção e acabou ficando sintomático e passando a covid para a mãe e para a avó. Por sorte, elas estão vacinadas e tiveram uma covid moderada, não foi preciso internar por enquanto. Mas se tivesse estudos conclusivos mostrando a eficácia dessa medicação, eu poderia ter feito isso [tratamento preventivo] logo ao descobrir a infecção no menino. A avó de 90 anos seria uma potencial beneficiada.”
Marcia diz ser possível que também haja voluntários para esse braço do estudo aqui no Brasil. Ao todo, devem ser cerca de 1.300 voluntários.
Estarão elegíveis pessoas com 18 anos ou mais e que morem na mesma casa com alguém que tenha infecção pelo SARS-CoV-2 confirmada em laboratório e com sintomas.
Os voluntários receberão 800 mg de molnupiravir ou placebo (sem que saibam o que estão tomando) a cada 12 horas durante cinco dias.
Centros de pesquisa
Indivíduos maiores de 18 anos que tenham diagnóstico de covid-19 há menos de cinco dias podem procurar um dos endereços abaixo para se candidatar como voluntário nos testes do molnupiravir. Todos serão orientados sobre o tratamento e assinarão um termo de consentimento livre e esclarecido.
São Paulo (Capital)
1) Centro de Pesquisa Clínica do Hospital das Clínicas
Rua Doutor Ovídio Pires de Campos, 555, 6º andar – Prédio CeAC – Centro de Atendimento ao Colaborador – Cerqueira César
2) Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Av. Dr. Arnaldo, 165 – Cerqueira César
São Paulo (Interior)
3) Hospital de Base de São José do Rio Preto (São José do Rio Preto)
Av. Brigadeiro Faria Lima, 5544 – Vila São Jose, São José do Rio Preto
Minas Gerais
4) Santa Casa da Misericórdia de Belo Horizonte
Av. Francisco Sales, 1111 – Santa Efigênia, Belo Horizonte
Paraná
5) Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (Curitiba)
Rua Padre Camargo, 261 – Alto da Glória
Rio Grande do Sul
6) Hospital Tacchini (Bento Gonçalves)
Rua General Osório, 235, subsolo 2
Brasília
7) Chronos Pesquisa Clínica
Avenida Helio Prates QNM 34 A/E 01 JK Shopping Torre sala – 612/613 – Taguatinga Norte