governo lança decreto com novas regras para registro


Nesta sexta-feira, 8, foi publicado no Diário Oficial da União um decreto que altera as regras sobre produção, pesquisa, utilização, importação e exportação de agroquímicos no país. O documento, de iniciativa do Ministério da Agricultura (Mapa), foi debatido internamente no governo federal por cerca de dois anos antes da publicação. O objetivo das novas normas é desburocratizar a entrada de tecnologias no país, facilitar a pesquisa com defensivos vegetais e proteger os aplicadores de agrotóxicos.

Segundo o Mapa, o decreto anterior, de 2002, já havia sofrido muitas atualizações e edições para se adequar às demandas do agronegócio. “A manutenção do decreto em vigor traz um alto custo de controle pelo governo em atividades que não apresentam risco justificável, enquanto outras atividades de maior risco poderiam ser melhor desempenhadas. Também existe a preocupação em reduzir as pragas resistentes aos ingredientes ativos disponíveis no mercado, por meio da disponibilização de novas tecnologias que permitirão um adequado manejo das pragas”, argumenta a pasta.

Entre as principais mudanças propostas estão a reformulação do processo de análise de agroquímicos para registro, criação de cadastro de aplicadores e mais rigor na aplicação de multas. De acordo com o Mapa, atualmente, existe duplicidade de análises documentais entre os órgãos responsáveis pelo controle e regulamentação de agroquímicos no país (Mapa, Ibama e Anvisa). Ao dispensar a exigência de alguns documentos em mais de uma etapa, o governo espera que “servidores ligados às atividades de registro possam ser liberados para atuar na fiscalização e nas importantes atividades de reavaliação de agrotóxicos”.

Os prazos para registro também foram alterados, de acordo com a complexidade de análise, e podem variar entre 12 e 36 meses. Os atuais 120 dias não conseguem ser cumpridos pelo governo na prática. Produtos genéricos terão flexibilização quanto à comprovação de eficiência agronômica.

Em entrevista ao Canal Rural, o coordenador-geral de Agrotóxicos do Ministério da Agricultura, Bruno Breitenbach, deu mais detalhes sobre as alterações trazidas com o novo decreto. Confira:

Canal Rural – Por que o ministério decidiu fazer este novo decreto?

Bruno Breitenbach – Partiu de uma iniciativa do Ministério da Agricultura, em conjunto com Ibama e Anvisa e já é uma necessidade antiga, identificada há um bom tempo entre os três órgãos da necessidade da atualização de alguns dispositivos neste decreto. Com o tempo nós vimos que as tecnologias vêm se modificando e há uma pressão das sociedades principalmente sobre o uso dos agrotóxicos e é por isso que o decreto traz esse componente também de registro dos aplicadores de agrotóxicos, que visa dar mais segurança no uso tanto para o aplicador, quanto melhorar a qualidade da aplicação de agrotóxicos que é feita no país.

 

Canal Rural – Há a tentativa de evitar a duplicidade de documentos nas três esferas (Mapa, Ibama, Anvisa). O que nós podemos esperar tendo a situação atual e as modificações colocadas? É uma facilidade para quem está requisitando o registro ou para situação interna do governo?

Breitenbach – Eu diria que ambos. A alteração diminui alguns retrabalhos que são feitos pelos órgãos no caso de um mesmo documento ou um mesmo estudo ser entregue em mais de um órgão e que acaba sendo analisado por técnicos duplamente, em órgão distintos. Quando, na verdade, deveria ser concentrada em um apenas. E eu posso citar o exemplo do estudo de resíduos que é entregue tanto no Ministério da Agricultura quanto na Anvisa, mas é um subsídio essencial para análise toxicológica, então…

Isso não quer dizer que o Mapa não pode ter acesso a estudo por meio da própria Anvisa, mas o privado, o procedimento e protocolo fica racionalizado e ele só precisa entregar o documento, o estudo em um dos órgãos. Também algumas alterações como nome comercial do produto ou alteração de endereço do titular, que é o dono do registro, ou seja, o endereço de um escritório que fica em São Paulo ou Curitiba… Anteriormente, essa empresa tinha que protocolar pedido de alteração nos três órgãos, o que não faz sentido. Basta solicitar em algum dos órgãos. Isso inclusive é uma determinação do acórdão [2848/2020] do Tribunal de Contas da União. Ele determinou que a gente faça esse tipo de racionalização nos procedimentos de registro.

 

Canal Rural – Como funcionará esse registro de aplicadores de agrotóxicos? Os produtores terão que fazer cursos?

Breitenbach – Esse é um ponto importantíssimo do texto do decreto, que visa trazer mais segurança nas aplicações, como eu falei anteriormente. O Ministério da Agricultura vai desenvolver um sistema de cadastro e conjuntamente com alguns parceiros representativos do setor privado, como CNA e Senar, vai desenvolver um currículo mínimo que deve ser ministrado a todos aqueles que queiram aplicar agrotóxicos. Sejam eles produtores rurais ou trabalhadores do campo.

 

Canal Rural – Essa comprovação do curso terá que ser apresentada em algum momento, como na compra dos agrotóxicos ou apenas em caso de fiscalização?

Breitenbach – Nos casos de fiscalização, né? Vai ser uma espécie de carteira de motorista, mas aplicada ao uso de agrotóxicos. Então, quem for aplicar agrotóxicos será obrigado a ter feito o curso e ter o comprovante de que cursou e passou no curso. Tudo vai acontecer de maneira digital por meio de um aplicativo que nós vamos desenvolver.

 

Canal Rural – Há um prazo para esse aplicativo ficar pronto, para começar a ser exigido esse curso?

Breitenbach – O decreto vai passar a exigir a partir de cinco anos da sua publicação. Então vamos ter um prazo aí. Estimamos que existam quase 1 milhão de aplicadores de agrotóxicos no país e, logicamente, que não podemos criar essa obrigação imediata. O prazo será de cinco anos a partir dos quais será proibida a aplicação de agrotóxicos sem nenhum treinamento ou comprovação da capacitação

 

Canal Rural – O release coloca a possibilidade de priorização de registro de produtos e aumento dos prazos, porque o atual o governo dificilmente consegue cumprir. Então como esses prazo ficarão?

Breitenbach – O prazo atual é único pra qualquer tipo de processo, independentemente da sua complexidade, e é de 120 dias. Não só o governo não consegue cumprir como não faz sentido um prazo tão pequeno para um assunto tão complexo e que envolve eficiência agronômica, saúde humana e impactos ambientais. Os prazos todos serão aumentados e poderão variar de 12 a 36 meses. No caso de um produto que venha a ser priorizado pelo Mapa, existe uma previsão de um prazo de até 6 meses para produtos técnicos. O processo de priorização vai ser utilizado pelo Ministério da Agricultura quando tiver algumas pragas que são importantes e para as quais não existam defensivos no momento ou as opções existentes não sejam suficientes pra garantir um leque amplo e necessário que permita inclusive manejo integrado de pragas. Então aí, nesse caso, o Mapa vai priorizar alguns produtos, tirar eles da ordem cronológica e determinar que a análise seja feita prioritariamente pelo Mapa, Anvisa e Ibama.

 

Canal Rural – Você mencionou que dentro do decreto existe um estímulo ao uso de produtos biológicos fitossanitários. Como vai ser esse estímulo?

Breitenbach – O texto anterior já previa que produtores de orgânicos poderiam produzir produtos fitossanitários com uso aprovado para agricultura orgânica para registro. Mas somente se esses produtos fossem para uso próprio. Ele só poderia usar isso na unidade agrícola dele, não pode de maneira alguma comercializar. Existia uma dúvida interpretativa se os produtores do sistema convencional também poderiam usar essa prerrogativa e, agora, com essa redação, nós estamos deixando claro que os convencionais podem e o governo prefere que eles tenham essa possibilidade. Nós acreditamos muito que isso vai estimular o uso desses produtos, que são de baixo impacto, uso de opções de base biológica no controle de pragas. Acreditamos que com essa alteração muitos produtores do sistema convencional vão se sentir estimulados a produzir alguns produtos fitossanitários com uso aprovado em agricultura orgânica nas suas propriedades agrícolas, substituindo um pouco o uso de produtos químicos.

 

Canal Rural – Outra possibilidade sendo colocada é a de que uma empresa produza agrotóxicos com um ingrediente ativo ainda não aprovado no Brasil, mas com envio para exportação. Qual o motivo dessa mudança legal?

Breitenbach – No texto atual, para se exportar um produto, um agrotóxico, se esse produto já estiver registrado, mas for exportar com uma marca comercial diferente, o registro de exportação é rápido. Só que, se o produto não estiver com ingrediente registrado no país, leva muito tempo. Aliás, leva o mesmo tempo de registro de um agrotóxico normal. O que a gente tem que prestar atenção é que esse produto não vai ser utilizado no Brasil. É um produto químico, uma substância química como qualquer outra. Ela vai ser produzida aqui e vai ser exportada. Por vezes algumas indústrias deixam de ser instaladas no Brasil por conta de toda essa burocracia, então a gente imagina que com essa permissão, facilitação desse registro de exportação – o produto não vai ser registrado no Brasil, vai ser só pra exportação! – vai ser possível ter um estimulo da instalação de alguns pátios fabris de agrotóxicos no país criando empregos e tudo mais e, no futuro, essas plantas também podem conseguir o registro de algum outro produto para uso no Brasil, diminuindo um pouco a dependência que o país tem de importar agrotóxicos de outros locais.

 

Canal Rural – Também é citada a criação de um Sistema de Informação de Agrotóxicos. A plataforma deve integrar Mapa, Anvisa, Ibama? O que podemos esperar dela e o prazo para estar pronta?

Breitenbach – Na verdade, esse sistema está previsto desde 2002, quando saiu a primeira publicação de um decreto. Eu tenho boas noticias, porque com recursos do compêndio do algodão, e uma parceria do Ministério da Agricultura com Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, começamos finalmente este ano a construção desse sistema que deve ficar pronto até final do ano que vem e que vai servir de fato de chão único para protocolos de registros de agrotóxicos, pedidos, né? E também vai ser um sistema onde técnicos e todos os órgãos vão fazer análises dentro dele. Nós vamos eliminar duplicidades do sistema, vários sistemas que existem são diferentes nos três órgãos e vamos eliminar também a necessidade de ficar protocolando em três locais diferentes para quem tem interesse em registrar agrotóxicos.

 

Canal Rural – Outra questão é a rotulagem GHS em agrotóxicos. Queria que você explicasse porque, já que a Anvisa adotou isso há dois anos, por que então estar neste decreto.

Breitenbach – GHS é um sistema harmonizado de comunicação de riscos que está alinhado com as melhores práticas internacionais. A Anvisa já o adotou numa resolução de diretoria colegiada que é uma norma interna da Anvisa, só que dessa vez a gente tá levando isso para uma norma superior que é o decreto, consolidando essa boa prática, essa decisão acertada da Anvisa no texto do decreto.

 

Canal Rural – E sobre as multas? Coloca-se no release que as multas sejam mais diretas e pesadas. Existe mudança nos valores ou na forma de aplicação das multas?

Breitenbach – É na forma de aplicação. A gente quer trazer maior rigor, maior possibilidade de punição para os infratores. De fato, havia algumas previsões de que, caso as irregularidades fossem sanadas, a multa não seria aplicada. Desta vez, o rigor aumentou e a gente espera dessa maneira punir mais, corretamente, né? E desestimular práticas de uso inadequado, incorreto e também práticas ilegais como contrabando e falsificação de agrotóxicos. Acreditamos que vá melhorar o sistema de agrotóxicos no Brasil dessa maneira, melhorando a qualidade dos produtos vegetais produzidos em todo o país.

 

Canal Rural – Podemos entender que ao facilitar o registro, dando mais entrada a tecnologias novas, por outro lado o ministério está colocando que quem sair da linha não vai ter como argumentar?

Breitenbach –  Exatamente.

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